É 5 de novembro de 2015. Uma barragem localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, cede. A barragem do Fundão, como é conhecida, armazenava rejeitos da mineração da hematita, e seu rompimento libera 62 milhões de metros cúbicos de lama contaminada com diversos tipos de metal pesado. As consequências do descaso da empresa Samarco (um empreendimento conjunto entre a empresa brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton) que, apurou-se mais tarde, sabia dos riscos mas não os evitou, foram catastróficas.
A lama atingiu o Rio Doce, um dos principais componentes de uma das principais bacias hidrográficas da região Sudeste do Brasil, que fornece água e alimentos para 230 municípios. 17 dias mais tarde, essa lama chegará ao mar do Espírito Santo. Em 19 dias, chegará à Reserva Biológica de Comboios, unidade de conservação que protege desovas de tartarugas-de-couro.
São contabilizadas 19 mortes diretas por esse desastre. Não se sabe o número de mortes em consequência desse desastre.
É 25 de janeiro de 2019. A história é praticamente a mesma. A barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, se rompe. Ela é controlada pela Vale. 12,7 milhões de metros cúbicos de lama invadem as instalações administrativas da própria mineradora, arrastando pessoas, animais, construções, carros, trens, caminhões. A onda chega a ter, aproximadamente, 80 quilômetros por hora e leva embora a vida de, pelo menos, 259 pessoas (até hoje há 11 desaparecidas). Análises da qualidade da água do Rio São Francisco apontam contaminação por cromo, ferro, manganês e cobre acima dos limites aceitáveis, provavelmente provenientes desse desastre. Não se sabe o número de mortes associadas indiretamente ao desastre.
É 01 de dezembro de 2019. Baile funk em Paraisópolis. Há uma desastrosa ação da polícia em curso no bairro. A confusão é imensa, os jovens estão desesperados. Muitos deles não são da comunidade, não conhecem as vielas e correm sem saber o que está acontecendo. Alguns se amontoam em cantos, ruas, espaços pequenos. Alguns caem no chão, outros ficam presos entre pessoas e paredes ou portões. São muitas as versões dos fatos, são diversas circunstâncias inexplicadas, são 9 vidas adolescentes interrompidas.
É 12 de maio de 2020. O último boletim do Ministério da Saúde é devastador. Já são vários dias seguidos de devastação, mas esse é o maior até agora. Todos sabemos, pelo menos desde o início do ano, das consequências catastróficas da ação do coronavírus Sars-Cov2 sobre as pessoas e, principalmente sobre os sistemas de saúde. Muitas pessoas precisam ficar internadas sob cuidados intensivos por muitos dias (15 em média) ocupando leitos por tempo suficiente para que não haja espaço para todos. O colapso dos sistemas de saúde, que já foi visto em diversos países como Itália e Espanha, é iminente no Brasil. Diversas cidades já não podem realizar o atendimento que as pessoas contaminadas precisam e isso é insano e surreal. Pessoas que poderiam estar vivas após 15 dias de tratamento intensivo estão morrendo antes de terem a possibilidade de chegar até uma unidade de saúde desse nível. Algumas já não conseguem sequer chegar ao hospital. Algumas não conseguem sair de casa. Outras não conseguem deixar a ambulância que as socorreu. A situação é desesperadora.
Só hoje foram 881 pessoas.
Desde o primeiro caso registrado no país, foram 12.400 pessoas.
12.400 pessoas é aproximadamente, 652 vezes mais vítimas que Mariana.
12.400 pessoas é aproximadamente, 47 vezes mais vítimas que Brumadinho.
12.400 pessoas é aproximadamente, 1377 vezes mais vítimas que Paraisópolis.
Não podemos nos esquecer. Não podemos nos acostumar. Esquecer-se e acostumar-se é deixar acontecer mais e mais e mais e mais e mais e mais.
#Ficaemcasa
5/13/2020
5/08/2020
Amanhã foi assim
E, de repente, tudo estava tão rápido que nem vimos que o amanhã se foi.
E vivíamos o amanhã sem viver o hoje.
E fazíamos planos para o amanhã, passando por cima da vida de hoje.
E trabalhávamos para que amanhã fosse melhor do que hoje, sem sentir como estávamos hoje.
E nos relacionávamos com a agenda futura, com os compromissos futuros, com as férias futuras, com os filhos crescidos. E o hoje já era um passado distante.
Até que a Terra parou.
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