8/04/2020

Pesquisas espaciais no Brasil e a preservação da Amazônia

Na década de 1950, o mundo começava a experimentar uma grande expansão econômica após a Segunda Guerra Mundial. Revoluções tecnológicas, principalmente nas telecomunicações, possibilitavam mudanças sociais importantes, que alterariam completamente as relações de consumo nos anos seguintes. O ano de 1957 foi particularmente interessante para a Ciência pois os soviéticos estavam lançando o primeiro satélite no espaço, o Sputnik
Na década de 1960, começavam as primeiras pesquisas utilizando os dados recebidos de satélites. Em 1961, o Brasil criava o primeiro grupo para estudar ciências espaciais e atmosféricas que, em algum momento, passaria a ser chamado de Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. Em 1966, o INPE já fazia projetos de pesquisa aplicada em parceria com o que é, atualmente, conhecido por NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), da NASA, uma das agências do Governo Federal dos Estados Unidos mantido com dinheiro público norte-americano.
Na década de 1970, imagens do satélite LANDSAT-1, lançado pelos norte-americanos, começaram a ser utilizadas para mapear o desmatamento da Amazônia. De lá pra cá, outros satélites da série LANDSAT foram lançados e, pouco a pouco, as atividades do INPE voltadas ao meio ambiente consolidaram definitivamente a importância e a relevância dos pesquisadores brasileiros no cenário internacional.
O desmatamento da Amazônia é apenas um dos muitos monitoramentos feitos pelos INPE na área ambiental, fora os outros muitos projetos do instituto em outras áreas. São dignos de orgulho, dois projetos muito comentados em notícias brasileiras, o PRODES e o DETER. 
Projeto Desflorestamento da Amazônia Legal, chamado PRODES, foi lançado em 1988. Esse projeto oferece estimativas anuais para a taxa de desmatamento na área da Amazônia Legal brasileira, dados importantíssimos para que o governo federal adote políticas públicas de combate ao desmatamento da Floresta Amazônica. Todos os anos, sempre no primeiro semestre, os dados de desmatamento do último ano são apresentados.

Mapa da Amazônia Legal, 2019. IBGE.

Os dados do PRODES são tristes. Digo isso não exatamente porque acho triste a floresta estar sendo desmatada (e eu realmente acho isso, considerando a imensa riqueza natural, o fato de ser um hotspot de diversidade e a gigantesca riqueza imaterial associada aos povos indígenas que habitam a floresta), mas porque o PRODES nos fornece dados do passado, ou seja, o que deixou de ser floresta e virou pastagem lá no ano anterior. O Brasil tinha um problema sério com esses dados, porque eles não eram capazes de proporcionar um monitoramento que fosse capaz de ajudar na fiscalização do desmatamento. 
Os dados do PRODES começaram a trazer notícias muito boas para o Brasil a partir de 2005, quando o desmatamento na Amazônia começou a ser reduzido graças ao DETER. Essa informação mostra como o Brasil tem instituições incríveis e sólidas: no ano de 2004, uma política de transparência foi adotada pelo INPE em conjunto com o governo federal. Essa política de transparência permite o acesso completo a todos os dados gerados pelos sistemas de monitoramento, e possibilita que os usuários façam análises e avaliações de forma independente. É possível saber mais sobre essa política aqui

Gráfico de taxas de desmatamento em área de Amazônia Legal, segundo dados do PRODES atualizados em 08 de junho de 2020.

O DETER, nosso sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real, foi feito pelo INPE após um pedido do governo federal em 2004. Esse sistema, ao contrário do PRODES, fornece dados do presente, o que está acontecendo com a floresta neste momento. Dados do DETER de hoje, são, portanto, dados que estarão apenas no próximo relatório do PRODES.
Em conjunto, PRODES e DETER são ferramentas estratégicas para a tomada de decisões e para políticas públicas na área de meio ambiente e para a preservação ambiental na Amazônia Legal. 
Os serviços interativos dessas duas ferramentas ficam disponíveis aos usuários para análises e avaliações independentes. Os alertas do DETER e essas análises possibilitam às equipes de fiscalização chegarem na floresta a tempo de flagrar crimes ambientais, aplicar multas ou destruir equipamentos de desmatamento. Atualmente, essas capacidades de fiscalização foram diminuída devido as novas diretrizes estabelecidas pelos atuais diretores dos órgãos responsáveis em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e o governo federal, mas logo serão restabelecidas.

Clareira na Floresta Nacional Bom Futuro, 2020. Esta área é uma unidade de conservação de uso sustentável no estado de Rondônia. Fotografia de Flavio Forner para a DW Brasil.

Até junho, o DETER havia registrado um aumento de 25% no desmatamento de janeiro a junho de 2020 em relação ao período de janeiro a junho de 2019. Em conjunto com os dados dos últimos 11 meses, o DETER consegue alertar hoje para uma tendência de aumento da devastação. A comparação dos dados de julho de 2019 e julho de 2020 mostram um aumento de 28% na ocorrência de incêndios florestais. 

8/02/2020

Resenha - Ciência no Cotidiano: viva a razão abaixo a ignorância

Foi com agradável surpresa que, esta semana, recebemos em casa três livros como cortesia da Editora Contexto. Os livros não eram para mim, mas eu não pude conter minha curiosidade. Comecei lendo Ciência no Cotidiano: Viva a razão. Abaixo a ignorância, do casal Natalia Pasternak e Carlos Orsi, conhecidos céticos divulgadores de ciência. 

Capas dos livros da Coleção Cotidiano, da Editora Contexto. No site da editora, no dia de hoje, 02 de agosto de 2020, há desconto para a compra dos seis livros.

Com uma capa bastante bonita, como todas as capas da Coleção Cotidiano, o livro impresso quer inovar na diagramação - não sei se essa é uma característica da coleção ou apenas deste título. As páginas apresentam uma grande variação de recuos, as colunas de texto ora apresentam formato de ampulheta, ora de triângulo, ora a coluna está na diagonal da página. Algumas vezes, essa ousadia na diagramação fica desconfortável, causando quebras sucessivas no texto por conta da pouca largura da linha. Não existe uma justificativa explícita para essa escolha editorial que, muitas vezes, pode passar a impressão de ser apenas um recurso para aumentar o número de páginas do livro. No livro digital, a diagramação não varia.

Todas as páginas, com exceção da Introdução, têm algum tipo de diagramação como essa. Na página 92, por exemplo, o texto em forma de triângulo me causa muito desconforto.

A quarta capa apresenta ao leitor a  pretensão da publicação: mostrar que todos, mesmo sem perceber, nos beneficiamos de Ciência e dos conhecimentos produzidos por meio da Ciência e, ignorar esse fato, torna as pessoas "presas fáceis de curandeiros e charlatões, gente que mente para os outros e, não raro, para si mesma."
Para evitar, então, que as pessoas sejam "presas fáceis", a estratégia adotada pelos autores foi trazer para o livro muitos exemplos e curiosidades de como a Ciência (o cientista) interpreta observações da natureza ou de como o desenvolvimento científico e tecnológico possibilitou avanços na Medicina (capítulo sobre antibióticos e capítulo sobre vacinas), na Genética (capítulo sobre alimentação), nos Sistemas de Localização (capítulo sobre o céu), entre outros. Os exemplos escolhidos ajudam a ampliar o repertório do leitor e oferecem munição contra os discursos anti-Ciência das tias do zap ou dos tios do pavê. 
É bom ressaltar que o texto é básico, ou seja, dificilmente tornará o leitor capaz de discutir com um negacionista cheio de argumentos e, possivelmente, não ajudará as pessoas se tornarem "presas difíceis". Para isso, seriam necessárias discussões mais profundas sobre o fazer científico ou possibilitar alguma forma de letramento científico (exceção talvez possa ser aberta aos capítulos de probabilidade e estatística, que apresentam alguns recursos de forma bastante básica, mas ainda assim importantes para iniciantes e, sem dúvidas, relevantes para as discussões atuais sobre casos e mortes causadas pelo coronavírus - o leitor deve ser informado, entretanto, que o livro foi escrito antes da pandemia e, obviamente, não faz menção a ela). 
Admito que, quando eu peguei o livro para ler, esperava outra proposta, um pouco mais parecida com essa daqui, discutida pela própria autora para o canal do YouTube da Casa do Saber:



Talvez pela necessidade de simplificar a linguagem, alguns trechos podem causar a impressão de que exista um certo utilitarismo na Ciência, ou que o método aplicado em Ciências (inclusive Ciências Humanas) não possa ser aplicado em contextos diferentes dos estudos da Natureza. 
O livro começa a ficar mais interessante do ponto de vista de construção de pensamento a partir do capítulo 3. A introdução e os dois primeiros capítulos parecem um pouco sem foco, principalmente o capítulo sobre bactérias. Há alguns momentos em que o texto faz uma enorme força para não desagradar ninguém, o que pode desagradar todo mundo, como quando fala sobre cesáreas, amamentação, protetor solar, sabonetes ou mesmo quando flerta com o veganismo ou no trecho sobre agricultura (orgânica e convencional) e pesticidas.
Em alguns raros momentos, o texto simples pode dar a falsa ideia de que absolutamente nada seria possível sem a Ciência, como construir uma cadeira, fazer uma plantação agrícola ou maturar um queijo, coisas que sabemos ser bastante anteriores ao que reconhecemos hoje como Ciência ou como conhecimento científico, e muitas delas foram possíveis antes mesmo de conhecimentos matemáticos complexos. Gosto de me lembrar sempre que, muitas das primeiras explicações que os seres humanos deram sobre certos fenômenos naturais foram, tão somente, baseados em pensamento lógico e uma boa dose de empirismo.
O livro certamente ajudará o leitor a impressionar amigos ou aquela pessoa interessante no primeiro encontro. Para uma discussão mais complexa sobre Ciência, sobre a contribuição dos cientistas e para, definitivamente colocar um negacionista em situação desconfortável, será preciso um segundo encontro com os autores. Já estamos aguardando o próximo livro!

_____________________________________

Ciência no Cotidiano: Viva a razão. Abaixo a ignorância, de Natalia Pasternak e Carlos Orsi (2020) 160 p. foi uma cortesia da Editora Contexto para @carloshotta.